.jpg)
- Em que estás a pensar?
Inquiria ele sempre que a via ausente, perdida num silêncio pesado. O olhar dela era distante, o rosto ganhava uma expressão que ele não conseguia decifrar. Sem saber bem porquê, receava esses silêncios dela. Era como se, nesses momentos, deixasse de lhe pertencer e a intimidade entre eles parasse ali.
- Não estou a pensar em nada.
A resposta, invariavelmente a mesma, acabaria por o dissuadir de prosseguir. Sabia, por demais, que essa era a maneira delicada de o afastar, de não partilhar com ele os seus pensamentos.
E que pensamentos seriam esses?
Mesmo que ela quisesse expressar, por palavras, o que lhe ia no íntimo, a maior parte das vezes, não seria capaz. Não era só ele a assustar-se das suas ausências momentâneas: também ela preferiria parar a mente; esvaziá-la das imagens e ideias que a assolavam e a deixavam num torpor e numa melancolia.
- Como se fosse possível pensar-se em nada! Pensamos sempre em qualquer coisa!
Uma ou outra vez, não desistia ou, pelo menos, queria que ela soubesse que ele se apercebia de que algo a inquietava e a levava para longe dele.
Era então que ela deixava transparecer um certo enfado e queixava-se de ele querer saber sempre tudo. No fundo, deleitava-se com o interesse dele e custava-lhe menos a suportar o diálogo silencioso que travava dentro de si. Havia mesmo um suavizar de semblante e um trejeito que poderia traduzir-se no desejo que ela tinha de lhe oferecer o que ele, em vão, tentava deduzir.
Se ela pudesse … as palavras acabavam por se afogarem no peito … morrerem antes de lhes ter dado vida…
Lembrava-se do tempo de menina quando, acariciando o lóbulo da orelha da mãe, de olhos fechados para não ver os monstros nocturnos, lhe pedia, ansiosa:
- Fala, mãe… fala comigo. Conta uma história.
Pedia-lhe para ele falar. O assunto não era relevante. Tanto fazia. O que importava era ouvir a voz dele; concentrar-se na sua cadência; sentir que não estava só. Esqueceria assim o tumulto que lhe ia na alma: os receios, as carências; as dúvidas e os sobressaltos.
Já não era criança. Os monstros agora eram outros e não desapareceriam tão facilmente.
A solidão e o medo jamais se apagariam.